segunda-feira, maio 24, 2010

 

“Pluriemprego” de um missionário na África: médico, construtor, tradutor...


Entrevista com o Pe. Andrej Halemba
KÖNIGSTEIN, quarta-feira, 19 de maio de 2010 (ZENIT.org). Mudam-se os tempos, mas não as variadas e essenciais tarefas dos sacerdotes missionários, afirma o Pe. Andrej Halemba.
Este sacerdote polonês, que trabalhou durante 12 anos como missionário na África e que atualmente é diretor do departamento para África de Ajuda à Igreja que Sofre, reconhece que nesse continente é esperado que um missionário não só ministre os sacramentos, mas também seja administrador, arquiteto, construtor, professor... e tradutor. E não é fácil, "eu garanto".

- Padre, o senhor foi sacerdote missionário na África durante 12 anos; onde esteve?
- Pe. Halemba:
Tudo o que eu tenho a dizer é que aqueles foram anos muito felizes, embora muito difíceis. Passei 12 anos na parte norte da Zâmbia, perto da fronteira com a Tanzânia e o bonito e profundo lago Tanganica.

- Sempre teve o desejo de ir para as missões, inclusive desde que era jovem?
- Pe. Halemba:
Um belo dia, um dia incrível, nosso Papa (João Paulo II) veio para a Polônia, para minha cidade de Cracóvia, e esteve a cargo de uma pessoa verdadeiramente maravilhosa, o cardeal Hyacinthe Thiandoum, do Senegal.
Como eu falava francês, tive de me encarregar dele. Eu o admirava muito. Era uma pessoa feliz, muito alegre e fazia perguntas muito simples, porém profundas, e isso tocou meu coração. "Por que há tantos sacerdotes aqui e tão poucos em minha diocese? Por favor, venha para o Senegal. Há um montão de lugares. O país lhe dará boas-vindas, todos precisam de você, eu preciso de você. Por favor, você pode vir?".
Assim que me ordenei sacerdote, perguntei a meu bispo: "Poderia enviar-me para o Senegal?". A resposta foi: "Sim, você irá para África, mas não para o Senegal, e sim para a Zâmbia". Não era um país de idioma francês, mas inglês, motivo pelo qual enfrentei novos desafios.
- Um sacerdote polonês que não falava o idioma... Como as pessoas da Zâmbia o receberam?
- Pe. Halemba:
Em primeiro lugar, devo dizer que já havia missionários poloneses lá e eles eram muito queridos pela população local. O Pe. James Gazów já estava lá há três anos; aprendeu o idioma local. Era um sacerdote sorridente e, mesmo após muitos anos, ainda se fala e se canta sobre ele: "nosso sorridente Pe. James".
Assim, já conheciam os poloneses e, na realidade, sabiam muito mais da Polónia do que você imagina. Durante a 2ª Guerra Mundial, lá havia uma comunidade polonesa e um campo para crianças polonesas; lá havia uma escola primária. Algumas pessoas me cumprimentaram em polonês; lembro-me de um homem de idade que recitava o Pai Nosso em polonês. Assim, estavam contentes e disseram-me: "Bem-vindo! Você aprenderá nosso idioma local, não preocupe. E também tem duas mãos para dizer o que você quer".


- Como era a vida diária na Zâmbia?
- Pe. Halemba: Meu Deus! O dia era cheio de atividades, desde as primeiras horas da manhã. Claro que eu tinha a Missa muito cedo, antes que as pessoas saíssem para aos campos. Elas queriam assistir à Missa às 6h30, na missão principal. Em seguida, tomávamos um breve café da manhã e depois eu trabalhava no escritório, no jardim ou na pequena clínica. Não tínhamos irmãs. Não tínhamos hospitais. Éramos somente nós para medicar diariamente cerca 60 a 70 pacientes.


- Qual era seu maior desafio?
- Pe Halemba:
Acho que no começo era o idioma. Um sacerdote, obviamente, como você sabe, tem que falar. Ele tem que gostar de falar. Tem que falar porque, do contrário, não cumpre sua missão. Tem que proclamar e falar às pessoas, estar com elas e as escutar.
Eu diria que o desafio era também entender a mentalidade deles, aprofundar no conhecimento deles, porque, quando falamos do Evangelho, não estamos falando de palavras; estamos falando de algo muito profundo: emoções, sentimentos, convicções e medos. Estamos falando de algo que toca a alma e esta é a coisa mais difícil. No começo, pensei que o desafio mais difícil era o idioma; não é isso, tampouco a tradição, porque você pode ler ou perguntar às pessoas: era a mentalidade. Como dirigir-se e levar a seu mundo a Boa Nova, este é o desafio; e que meios tenho eu para lhes mostrar a beleza e o poder do Evangelho, da mensagem de Deus? Ajuda-los a entender e ser bons cristãos de um jeito africano. Este é o maior desafio que tinha sempre em mente.


- Como mudou sua vida na Zâmbia?
- Pe. Halemba:
Eu diria que, durante esses 12 anos, e muitos anos depois - já que depois passei a visitar a Zâmbia com frequência - eu recebi mais do que dei. Eu aprendi muito deles. Eram pobres, não educados, mas sua fé era extremamente forte. Não lhes apresentei Deus porque eles conheciam muito bem a Deus. Eles têm um contato diário com Deus,
Sua fé é tão óbvia como o ar, a água, a comida e as pessoas que os cercam; essa é sua vida. Eles são muito religiosos e eu aprendi muito deles. Eu também aprendi a paciência. Quão pacientes são com seu sofrimento! São felizes com o que têm. Estão contentes com a vida que os cerca. São felizes por haver recebido a vida, as famílias eram ricas com a vida e isso, para mim, foi uma bela lição.


- Qual foi a experiência mais extraordinária e mais bonita durante seu tempo lá?
- Pe. Halemba: A experiência mais bonita: nós ficamos dois anos trabalhando na primeira tradução de Novo Testamento ao idioma local. Havia uma equipe de 7 pessoas, idosos que conheciam muito bem o idioma. Eram catequistas, eram professores, conheciam a linguagem da Igreja. E havia 2 jovens, bem novos, porque nós tentávamos traduzir de maneira que chegasse a todos.

- Que idioma era?
- Pe. Halemba: Mambwe, que é um idioma das tribos bantus, entre a Zâmbia e o Zimbabué, falado por mais ou menos 500.000 pessoas; por isso nós quisemos fazer a tradução.
A ocasião era maravilhosa. Passavam-se cem anos de catolicismo na Zâmbia e o bispo me nomeou para que tomasse conta do apostolado bíblico da diocese, pelo que disse: Tenho que fazer algo, porque os primeiros missionários vieram à nossa missão e o melhor presente seria a tradução do Novo Testamento, no qual nós tínhamos trabalhado por dois anos. Eu nunca vi os africanos trabalharem tão duro e com tanta dedicação por tão pouco dinheiro. Dedicaram-se ao trabalho.
Um deles vinha diariamente à missão em uma bicicleta por 11 quilómetros e nunca se atrasava. Isto não é muito comum de se ver na África. Outro caminhava cinco quilómetros de sua casa até a missão, e vice-versa, e nunca chegou tarde. Trabalhávamos muito duro como equipe e eles estavam muito contentes com isso. Diziam: este é nosso trabalho e nós fazemos isto pelas nossas crianças, pelo futuro, pela nossa gente e pela Igreja Católica.
- Então, pelo que entendi, o Evangelho já está traduzido?
- Pe. Halemba: O Novo Testamento está traduzido. Agora prepararemos um dicionário, suas histórias populares, suas tradições, provérbios etc.

- O senhor fala o dialeto local. Pode nos falar algo, por exemplo algumas poucas palavras do Pai Nosso no dialeto local, somente para que possamos sentir esta língua?
- Pe. Halemba:
Tata witu, uno uli mille, zina liako liswepe. Ufuma wake wize. Lukasi luako liikitike, vino mwiulu, ivyo kwene mu nsi. Tupere lelo kiakulya kia lelo. Tuyelle mpa zitu, vino naswe tukaylela yano tway apera tnpa. Utatupisya kulu ntnnkosi; lelo tuipule mules wipa. Pano ufumu, na maka un ukuru yakwako, milele liata milele.
Este é o Pai Nosso e eu adoro. Esta oração neste idioma é algo extremamente bonito. É uma espécie de melodia. Tenho que dizer que é uma língua de semitom, pelo que soa muito bem, mas não é tão fácil de aprender, garanto.
Esta entrevista foi realizada por Mark Riedemann para "Deus Chora na Terra", um programa rádio televisivo semanal produzido pela Catholic Radio and Television Network, (CRTN) em colaboração com a organização católica Ajuda à Igreja que Sofre. Mais informação em http://www.ain-es.org/ e http://www.aischile.cl/.

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