sábado, outubro 07, 2006

 

A celebração da Fé e a Missão



1. O Verão tornou-se sinónimo de férias e de festas. Cada comunidade, cada família procura marcar para esta altura as festas do padroeiro, os casamentos e os baptizados. Emigrantes e turistas, não-baptizados e não-praticantes, todos se juntam ao grupo dos crentes que nesse dia têm a Igreja cheia. A maioria não compreende o sentido sagrado do templo, da procissão ou dos sacramentos que se celebram. Por isso, conversam, riem, tiram fotos, filmam… numa palavra, ocupam o tempo enquanto aguardam que a cerimónia acabe. Não é raro ver também muitos cristãos praticantes a colaborar neste mau espectáculo religioso!

2. Um colega sacerdote chileno, que trabalha com os índios Quetchuá, contou-me que os sacerdotes indígenas não permitem que se tire fotografias quando realizam as suas celebrações religiosas. A razão é que eles crêem que Deus se torna presente durante o rito sagrado. Não se trata de um espectáculo. Ao verem como nos comportamos nas nossas celebrações litúrgicas, o sacerdote indígena perguntou ao meu colega: “Vocês crêem que Deus se torna presente quando se juntam para rezar ou celebrar a missa?”

3. Este comentário fez-me reflectir. É pena que a beleza do mistério de um Deus, que se faz presente por amor, se perca em celebrações de rotina ou de preceito. A liturgia, não sendo bem preparada ao nível pessoal e comunitário, torna-se numa “seca” para nós e para os estranhos. Os ritos e símbolos, os cânticos e orações, as leituras e os silêncios, quando bem celebrados, ajudam-nos a entrar no mistério da presença de Deus e a fazer da liturgia um instrumento de evangelização.

4. A Igreja primitiva vedava aos não crentes a participação na celebração do Baptismo e da Eucaristia. Aos catecúmenos era-lhes permitido participar na Liturgia da Palavra. Era a “disciplina do Arcano”. Só podia participar quem estava iniciado nos mistérios da fé. Isto porque o cristianismo utiliza ritos e símbolos da vida quotidiana (água, vinho, pão, óleo) só compreensíveis sacramentalmente à luz da fé. Para acolher e ajudar os não iniciados a saber como se deviam comportar nas celebrações, existia o ministério do “ostiário”.

5. Hoje é impossível introduzir a “disciplina do arcano”. A missa é transmitida semanalmente pela televisão, os santuários e as Igrejas estão abertas para quem quiser entrar. As cidades e a mobilidade mais facilitada e acessível permitem a participação em celebrações onde as pessoas são desconhecidas. Aos casamentos, baptizados e outros actos religiosos-sociais vão todos os convidados. Em muitos lugares, os funerais e missas de defuntos são mesmo uma das poucas ocasiões em que podemos anunciar Jesus Cristo a estas pessoas. Como podemos evangelizar, por meio da liturgia, os participantes eventuais?

6. Outubro, como mês das Missões, vem alargar o âmbito da Missão a todo o ser da Igreja: liturgia, ministérios, catequese, serviço da caridade, promoção da justiça e da paz... O Papa recorda-nos que a fonte da Missão é o Amor de Deus por nós. Esse mesmo amor deve estar presente em tudo o que somos ou fazemos como Povo de Deus. A liturgia bem celebrada, com qualidade e beleza, ajuda-nos a entrar na intimidade do amor de Deus manifestado em Jesus Cristo. Hoje, é fundamental a reabilitação do “ministério do acolhimento” que receba com amor os que não vêem habitualmente à celebração e os ajude, com discrição e doçura, a comportarem-se com respeito. Trata-se de criar condições para que os não praticantes possam fazer a experiência nova de serem acolhidos como irmãos e, interpelados pela Palavra de Deus e pela presença do mistério, serem conduzidos ao encontro com Cristo. Se à liturgia missionária unirmos a coerência dum verdadeiro testemunho de amor na vida, temos aqui as bases para uma Igreja naturalmente missionária e evangelizadora.

(texto publicado no Contacto SVD)

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