sexta-feira, janeiro 02, 2009

 

Bento XVI: pobreza evangélica e anti-evangélica


Há uma pobreza, uma indigência, que Deus não quer e que é «combatida» – como diz o tema da actual Jornada Mundial da Paz; uma pobreza que impede às pessoas e às famílias de viverem segundo sua dignidade; uma pobreza que ofende a justiça e a igualdade e que, como tal, ameaça a convivência pacífica. Nesta acepção negativa cabem também as formas de pobreza não material que se reencontram justamente nas sociedades ricas e desenvolvidas: marginalização, miséria relacional, moral e espiritual (cf. Mensagem para a Jornada Mundial da Paz 2008, 2). Em minha Mensagem quis mais uma vez, sobre a trilha de meus Predecessores, considerar atentamente o complexo fenómeno da globalização, para avaliar as relações com a pobreza em larga escala. Frente a pragas difundidas quais doenças pandémicas (ivi, 4), a pobreza das crianças (ivi, 5) e a crise alimentar (ivi, 7), tive o dever, infelizmente, de voltar a denunciar a inaceitável corrida armamentista. Por um lado se celebra a Declaração Universal dos Direitos do Homem, e por outro, se aumentam as despesas militares, violando a própria Carta das Nações Unidas, que empenha a reduzi-la ao mínimo (cf. art. 26). Por outro lado, a globalização elimina certas barreiras, mas pode construir novas (Mensagem cit., 8), por isso, é necessário que a comunidade internacional e cada um dos Estados sejam sempre vigilantes; é necessário que não abaixemos mais a guarda em relação aos perigos de conflito, ao contrário, se empenhem a manter alto o nível da solidariedade. A actual crise económica global é vista em tal sentido também como um banco de prova: estamos prontos para lê-la, em sua complexidade, como desafio para o futuro e não só como uma emergência a qual dar resposta a curto prazo? Estamos dispostos a fazermos juntos uma revisão profunda do modelo de desenvolvimento dominante, para corrigi-lo de modo certo e a longo prazo? Exigem isso, na verdade, mais ainda que as dificuldades financeiras imediatas, o estado de saúde ecológica do planeta e, sobretudo, a crise cultural e moral, os quais sintomas há tempos são evidentes em cada parte do mundo.

Ocorre, portanto, de buscar estabelecer um «círculo virtuoso» entre a a pobreza «a escolher» e a pobreza «a combater». Abre-se aqui um caminho fecundo de frutos para o presente e para o futuro da humanidade, que se pode reassumir assim: para combater a pobreza iníqua, que oprime tantos homens e mulheres e ameaça a paz de todos, ocorre redescobrir a sobriedade e a solidariedade, como valores evangélicos e, ao mesmo tempo, universais. Mais concretamente, não se pode combater eficazmente a miséria, se não se faz aquilo que escreve São Paulo aos Coríntios, isto é, se não se busca fazer «igualdade», reduzindo o desnível entre quem gasta o supérfluo e quem passa falta do necessário. Isto comporta escolhas de justiça e de sobriedade, escolhas por outro lado obrigadas pela exigência de administrar sabiamente os limitados recursos da terra. Quando afirma que Jesus Cristo nos enriqueceu «com sua pobreza», São Paulo oferece uma indicação importante não somente sob o perfil teológico, mas também no plano sociológico. Não no sentido que a pobreza seja um valor em si, mas porque essa é condição para realizar a solidariedade. Quando Francisco de Assis deixa seus bens, faz uma escolha de testemunho inspirado directamente por Deus, mas ao mesmo tempo mostra a todos o caminho da confiança na Providência. Assim, na Igreja, o voto de pobreza é o compromisso de alguns, mas recorda a todos a exigência do desapego dos bens materiais e a primazia das riquezas do espírito. Eis, portanto, a mensagem oferecida hoje: a pobreza do nascimento de Cristo em Belém, além de objecto de adoração para os cristãos, é também escola de vida para cada homem. Essa nos ensina que para combater a miséria, tanto material quanto espiritual, o caminho a percorrer é o da solidariedade, que levou Jesus a partilhar nossa condição humana.
(Homilia do Dia Mundia da Paz, 1 Janeiro de 2009)

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