quinta-feira, julho 02, 2009

 

Algumas observações sobre o Ano Sacerdotal


1. Este mês fiz oito dias a pé no caminho de Santiago. Numa das etapas fiquei hospedado num pequeno e austero albergue paroquial. Ao fim da tarde, o voluntário que cuidava do albergue convidou os peregrinos a participar num momento de meditação e de partilha que todos os dias o albergue organiza. Cerca de quinze pessoas aceitaram o convite. À volta de uma mesa, com música ambiente, convidou-nos a dar as mãos uns aos outros e a fechar os olhos. Depois foi lançando algumas perguntas que cada um interiorizava: porque estávamos a fazer o caminho de Santiago, que momentos de alegria ou de sofrimento tínhamos vivido ao longo do dia, quais as nossas dores, que pessoas tínhamos encontrado, etc...

A terminar, sugeriu que aqueles que acreditavam num Ser supremo lhe agradecessem a força que lhes permitira chegar até ali; os que não acreditavam agradecessem a si próprios pela coragem de estar ali também. Depois, os que quiseram partilharam a sua experiência e as razões porque estavam a fazer o caminho. E, assim passou uma hora. Em seguida, outros peregrinos juntaram-se a nós para preparar e partilhar um frugal jantar.

2. Lembrei-me deste singelo episódio no início do Ano Sacerdotal que a Igreja está a celebrar. Aquele voluntário estava a exercer um autêntico papel de sacerdote: acolher peregrinos de vários países, línguas e experiências religiosas, possibilitar a partilha de dores e de alegrias, criar espaço para o brotar de uma prece. Antes, ele já tinha cuidado dos pés feridos de alguns de nós. Esta é a função do sacerdote: acolher, curar, alimentar e levar até Deus as vidas dos homens e mulheres que estão à sua volta.

Sacerdote é todo aquele que actua como mediador em favor dos outros. Numa perspectiva cristã, Jesus Cristo é o único sacerdote e todo o sacerdócio procede dele. Por isso, o sacerdócio cristão é uma configuração com Cristo para oferecer sacrifícios (adoração, louvor…) e interceder pelos outros.

3. Todo o cristão é sacerdote em virtude do seu baptismo: «os baptizados são consagrados para serem edifício espiritual e sacerdócio santo, de modo que ofereçam, em toda a sua actuação cristã, sacrifícios espirituais e proclamem as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua luz maravilhosa» (LG 10).

Por isso, o Ano Sacerdotal não é pertença exclusiva dos padres, mas é uma ocasião para todos os baptizados reconhecerem que são membros de um povo sacerdotal, cuja missão é serem no mundo pontes para Deus. O sacerdócio ministerial encontra o seu verdadeiro significado quando enquadrado no sacerdócio único de Cristo e no sacerdócio comum dos fiéis.

4. É natural que, ao longo deste ano, a Igreja destaque o sacerdócio ministerial, reflectindo sobre o seu papel e apostando na sua formação. Aliás, o papa na carta de proclamação do Ano Sacerdotal refere esta preocupação quando escreve que este ano deve «fomentar o empenho de renovação interior de todos os sacerdotes para um seu testemunho evangelizador mais vigoroso e incisivo».

Ora, isso será impossível sem um primeiro passo: o destaque à vocação sacerdotal de cada baptizado. Pelo Baptismo fomos constituídos em Cristo, sacerdotes, profetas e reis. Esta é a nossa dignidade e identidade, prévia a qualquer ministério, função, papel ou vocação na Igreja. Por isso, este não é um ano para criar divisões ou acentuar divergências, mas para promover a comunhão e a colaboração na diversidade de dons, ministérios e carismas com que a Igreja, povo sacerdotal, foi agraciada por Deus.

Gostaria, no início do Ano Sacerdotal, salientar que este ano não foi proclamado contra ninguém. Por isso, nunca o poderemos instrumentalizar para favorecer os sacerdotes face aos leigos ou, no contexto da SVD, os padres face aos irmãos.
José Antunes da Silva

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