segunda-feira, novembro 22, 2010
Revelações do livro-entrevista de Bento XVI
CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 22 de novembro de 2010 (ZENIT.org) – Apresentamos algumas passagens que o L’Osservatore Romano antecipou nesse domingo do livro “Luz do mundo”, que recolhe conversas de Bento XVI com o jornalista alemão Peter Seewald.
* * *
Alegria do cristianismo
Toda minha vida esteve sempre atravessada por um fio condutor, que é este: o cristianismo dá alegria, amplia os horizontes. Em definitivo, uma existência vivida sempre e apenas “em contra” seria insuportável.
Mendigo
No que se refere ao Papa, também ele é um pobre mendigo frente a Deus, ainda mais que os demais homens. Naturalmente rezo, em primeiro lugar, sempre ao Senhor, ao qual estou vinculado, por assim dizer, por uma antiga amizade. Mas invoco também os santos. Sou muito amigo de Agostinho, de Boaventura e de Tomás de Aquino. Portanto, digo a eles: “ajudem-me!”. A Mãe de Deus é sempre e de todos os modos um grande ponto de referência. Nesse sentido, integro-me na comunhão dos santos. Junto a eles, reforçado por eles, falo, e também com o bom Deus, sobretudo mendigando, mas também agradecendo; ou simplesmente porque estou contente.
Dificuldades
Que a atmosfera não seria sempre alegre era evidente. Dada a atual constelação mundial, com todas as forças de destruição que existem, com todas as contradições que se dão nela, com todas as ameaças e os erros. Se eu tivesse continuado recebendo apenas aprovações, teria de me perguntar se estava realmente anunciando todo o Evangelho.
Abusos sexuais
Os fatos não me pegaram totalmente de surpresa. Na Congregação para a Doutrina da Fé, eu me tinha ocupado dos casos norte-americanos; tinha visto aumentar também a situação na Irlanda. Mas as dimensões, de todos os modos, foram um choque enorme. Desde minha eleição à Sé de Pedro, tinha-me encontrado repetidamente com vítimas de abusos sexuais. Há três anos e meio, em outubro de 2006, em um discurso aos bispos irlandeses, pedi-lhes “estabelecer a verdade do ocorrido no passado, tomando todas as medidas necessárias para evitar que se repita no futuro, assegurar que os princípios de justiça sejam plenamente respeitados e, sobretudo, curar as vítimas e todos aqueles que foram afetados por estes crimes abomináveis”. Ver o sacerdócio de repente sujo deste modo, e com isso a própria Igreja Católica, foi difícil de suportar. Nesse momento era importante, no entanto, não separar a vista do fato de que na Igreja o bem existe, e não só estas coisas terríveis.
Media e abusos
Era evidente que a ação dos meios de comunicação não estava guiada pela pura busca da verdade, mas tinha também uma complacência em ridicularizar a Igreja e, se fosse possível, desacreditá-la. E, no entanto, era necessário que isso ficasse claro: desde o momento em que se tenta levar a verdade à luz, devemos dar graças. A verdade, unida ao amor corretamente entendido, é o valor número um. E os meios de comunicação não teriam podido dar aqueles informes se na própria Igreja não houvesse dado o mal. Só porque o mal estava dentro da Igreja os outros puderam lançá-lo contra ela.
Intolerância
A verdadeira ameaça diante da qual nos encontramos é que a tolerância seja abolida em nome da própria tolerância. Está em perigo de que a razão, a assim chamada razão ocidental, sustente ter reconhecido finalmente o que é correto e avance assim em uma pretensão de totalidade, que é inimiga da liberdade. Considero necessário denunciar com força esta ameaça. Ninguém está obrigado a ser cristão. Mas ninguém deve ser obrigado a viver segundo a “nova religião”, como se fosse a única e verdadeira, vinculante para toda a humanidade.
Mesquitas e burcas
Os cristãos são tolerantes e, como tais, permitem também aos demais sua peculiar compreensão de si. Alegramo-nos pelo fato de que em países do Golfo Árabe (Qatar, Abu Dabi, Dubai, Kuwait) haja igrejas nas quais os cristãos possam celebrar a Missa e esperamos que ocorra assim em todas as partes. Por isso, é natural que também em nossas terras os muçulmanos possam-se reunir em oração nas mesquitas. Pelo que se refere à burca, não vejo razão de uma proibição generalizada. Diz-se que algumas mulheres não o usam voluntariamente, mas que, na realidade, é um tipo de violência imposta. Está claro que com isso não se pode estar de acordo. No entanto, se querem usá-lo voluntariamente, não vejo porque teria de se impedir.
Cristianismo e modernidade
Ser cristão é em si mesmo algo vivo, moderno, que atravessa toda a modernidade, formando-a e moldando-a, e, portanto, em certo sentido realmente a abraça. Aqui se necessita de uma grande luta espiritual, como quis mostrar com a recente instituição de um Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização. É importante que tentemos viver e conceber o cristianismo de tal modo que assuma a modernidade boa e correta e, ao mesmo tempo, afaste-se e distinga-se daquela que está-se convertendo em uma contra-religião.
Otimismo
Poder-se-ia contemplar com superficialidade e restringir o horizonte só ao mundo ocidental. Mas se se observa com mais atenção, e é isso o que posso fazer graças às visitas dos bispos de todo o mundo e também a tantos encontros, vê-se que o cristianismo neste momento está desenvolvendo também uma criatividade de todo nova [...]. A burocracia está desgastada e cansada. São iniciativas que nascem desde dentro, a partir da alegria dos jovens. O cristianismo talvez assumirá um novo rosto, um aspecto cultural diverso. O cristianismo não determina a opinião pública mundial, outros está à guia. E, no entanto, o cristianismo é a força vital sem a qual as outras coisas tampouco poderiam continuar existindo. Por isso, em virtude do que vejo e do que consigo tornar experiência pessoal, sou muito otimista a respeito do fato de que o cristianismo encontre-se frente a uma dinâmica nova.
A droga
Muitos bispos, sobretudo da América Latina, dizem-me que ali onde passa o caminho do cultivo e do comércio da droga, e isso ocorre em grande parte desses países, é como se um animal monstruoso e malvado estendesse sua mão sobre o país para arruinar as pessoas. Creio que esta serpente do comércio e do consumo de droga, que envolve o mundo, é um poder do qual nem sempre conseguimos ter uma ideia adequada. Destrói os jovens, destrói as famílias, leva à violência e ameaça o futuro de nações inteiras. Também esta é uma terrível responsabilidade do Ocidente: tem necessidade de drogas e assim cria países que lhe oferecem aquilo que logo terminará por consumi-los e destruí-los. Surgiu uma fome de felicidade que não consegue se saciar com aquilo que há, e que logo se refugia, por assim dizer, no paraíso do diabo, e destrói completamente o homem. Na
Sexualidade
Concentrar-se só no preservativo quer dizer banalizar a sexualidade e esta banalização representa precisamente o motivo pelo qual muitas pessoas já não veem na sexualidade a expressão de seu amor, mas só uma espécie de droga, que se fornecem por sua conta. Por este motivo, também a luta contra a banalização da sexualidade forma parte do grande esforço para que a sexualidade seja valorizada positivamente e possa exercer seu efeito positivo no ser humano em sua totalidade. Pode haver casos justificados singulares, por exemplo, quando um prostituto utiliza um preservativo, e este pode ser o primeiro passo para uma moralização, um primeiro ato de responsabilidade para desenvolver de novo a consciência sobre o fato de que nem tudo está permitido e de que não se pode fazer tudo o que se quer. No entanto, este não é o verdadeiro modo para vencer a infecção do HIV. É verdadeiramente necessária uma humanização da sexualidade.
Igreja
Paulo não entendia a Igreja como instituição, com organização, mas como organismo vivente, no qual todos trabalham um pelo outro e um com o outro, unidos a partir de Cristo. É uma imagem, mas uma imagem que permite aprofundar e que é muito realista, ainda que só seja pelo fato de que nós cremos que, na Eucaristia, realmente recebemos Cristo, o Ressuscitado. E se cada um recebe o próprio Cristo, então realmente todos nós estamos reunidos neste novo corpo ressuscitado como o grande espaço de uma nova humanidade. É importante entender isso e, portanto, conceber a Igreja não como um aparato que deve fazer de tudo, também o aparato lhe pertence, mas dentro dos limites – mas ainda mais como organismo vivente que provém do próprio Cristo.
Humanae Vitae
As perspectivas da Humanae Vitae continuam sendo válidas, mas outra coisa é encontrar caminhos humanamente praticáveis. Creio que haverá sempre minorias intimamente convencidas da exatidão dessas perspectivas e que, vivendo-as, ficarão plenamente satisfeitas do modo que poderão ser para outros um fascinante modelo a seguir. Somos pecadores. Mas não deveríamos assumir este fato como uma instância contra a verdade, quando essa alta moral não é vivida. Deveríamos buscar fazer todo o possível, e apoiar-nos e suportar-nos mutuamente. Expressar tudo isso também desde o ponto de vista pastoral, teológico e conceitual, no contexto da atual sexologia e pesquisa antropológica, é uma grande tarefa à qual é necessário se dedicar mais e melhor.
Mulheres
A formulação de João Paulo II é muito importante: “A Igreja não tem, de nenhum modo, a faculdade de conferir às mulheres a ordenação sacerdotal”. Não se trata de não querer, mas de não poder. O Senhor deu uma forma à Igreja com os Doze e depois com sua sucessão, com os bispos e os presbíteros (os sacerdotes). Não fomos nós que criamos esta forma de Igreja, mas se constitui a partir d’Ele. Segui-la é um ato de obediência, na situação atual, talvez um dos atos de obediência mais graves. Mas isso é importante: a Igreja não mostra ser um regime do arbítrio. Não podemos fazer o que queremos. Há, em contrapartida, uma vontade do Senhor para nós, à qual nos atemos, ainda que seja fadigoso e difícil na cultura e na civilização de hoje. Por outro lado, as funções confiadas às mulheres na Igreja são tão grandes e significativas que não se pode falar de discriminação. Seria assim se o sacerdócio fosse uma espécie de domínio, enquanto que, pelo contrário, deve ser completamente serviço. Se se lança o olhar na história da Igreja, damo-nos conta de que o significado das mulheres – desde Maria a Mônica, até a Madre Teresa – é tão eminente que as mulheres definem de muitas maneiras o rosto da Igreja mais que os homens.
Vinda de Cristo
É importante que cada época esteja próxima do Senhor. Que também nós mesmos, aqui e agora, estejamos sob o juízo do Senhor e nos deixemos julgar por seu tribunal. Discutia-se sobre uma dupla vinda de Cristo, uma em Belém e uma ao final dos tempos, até que Bernardo de Claraval falou de um Adventus medius, de uma vinda intermédia, através da qual Ele sempre entre periodicamente na história. Creio que encontrou o tom adequado. Nós não podemos estabelecer quando terminará o mundo. Cristo mesmo disse que ninguém o sabe, nem sequer o Filho. Devemos, no entanto, permanecer, por assim dizer, sempre diante de sua vinda, e sobretudo estar seguros de que, no sofrimento, Ele está próximo. Ao mesmo tempo, deveríamos saber que em nossas ações estamos sob seu juízo.
[Traduzido por ZENIT]
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Alegria do cristianismo
Toda minha vida esteve sempre atravessada por um fio condutor, que é este: o cristianismo dá alegria, amplia os horizontes. Em definitivo, uma existência vivida sempre e apenas “em contra” seria insuportável.
Mendigo
No que se refere ao Papa, também ele é um pobre mendigo frente a Deus, ainda mais que os demais homens. Naturalmente rezo, em primeiro lugar, sempre ao Senhor, ao qual estou vinculado, por assim dizer, por uma antiga amizade. Mas invoco também os santos. Sou muito amigo de Agostinho, de Boaventura e de Tomás de Aquino. Portanto, digo a eles: “ajudem-me!”. A Mãe de Deus é sempre e de todos os modos um grande ponto de referência. Nesse sentido, integro-me na comunhão dos santos. Junto a eles, reforçado por eles, falo, e também com o bom Deus, sobretudo mendigando, mas também agradecendo; ou simplesmente porque estou contente.
Dificuldades
Que a atmosfera não seria sempre alegre era evidente. Dada a atual constelação mundial, com todas as forças de destruição que existem, com todas as contradições que se dão nela, com todas as ameaças e os erros. Se eu tivesse continuado recebendo apenas aprovações, teria de me perguntar se estava realmente anunciando todo o Evangelho.
Abusos sexuais
Os fatos não me pegaram totalmente de surpresa. Na Congregação para a Doutrina da Fé, eu me tinha ocupado dos casos norte-americanos; tinha visto aumentar também a situação na Irlanda. Mas as dimensões, de todos os modos, foram um choque enorme. Desde minha eleição à Sé de Pedro, tinha-me encontrado repetidamente com vítimas de abusos sexuais. Há três anos e meio, em outubro de 2006, em um discurso aos bispos irlandeses, pedi-lhes “estabelecer a verdade do ocorrido no passado, tomando todas as medidas necessárias para evitar que se repita no futuro, assegurar que os princípios de justiça sejam plenamente respeitados e, sobretudo, curar as vítimas e todos aqueles que foram afetados por estes crimes abomináveis”. Ver o sacerdócio de repente sujo deste modo, e com isso a própria Igreja Católica, foi difícil de suportar. Nesse momento era importante, no entanto, não separar a vista do fato de que na Igreja o bem existe, e não só estas coisas terríveis.
Media e abusos
Era evidente que a ação dos meios de comunicação não estava guiada pela pura busca da verdade, mas tinha também uma complacência em ridicularizar a Igreja e, se fosse possível, desacreditá-la. E, no entanto, era necessário que isso ficasse claro: desde o momento em que se tenta levar a verdade à luz, devemos dar graças. A verdade, unida ao amor corretamente entendido, é o valor número um. E os meios de comunicação não teriam podido dar aqueles informes se na própria Igreja não houvesse dado o mal. Só porque o mal estava dentro da Igreja os outros puderam lançá-lo contra ela.
Intolerância
A verdadeira ameaça diante da qual nos encontramos é que a tolerância seja abolida em nome da própria tolerância. Está em perigo de que a razão, a assim chamada razão ocidental, sustente ter reconhecido finalmente o que é correto e avance assim em uma pretensão de totalidade, que é inimiga da liberdade. Considero necessário denunciar com força esta ameaça. Ninguém está obrigado a ser cristão. Mas ninguém deve ser obrigado a viver segundo a “nova religião”, como se fosse a única e verdadeira, vinculante para toda a humanidade.
Mesquitas e burcas
Os cristãos são tolerantes e, como tais, permitem também aos demais sua peculiar compreensão de si. Alegramo-nos pelo fato de que em países do Golfo Árabe (Qatar, Abu Dabi, Dubai, Kuwait) haja igrejas nas quais os cristãos possam celebrar a Missa e esperamos que ocorra assim em todas as partes. Por isso, é natural que também em nossas terras os muçulmanos possam-se reunir em oração nas mesquitas. Pelo que se refere à burca, não vejo razão de uma proibição generalizada. Diz-se que algumas mulheres não o usam voluntariamente, mas que, na realidade, é um tipo de violência imposta. Está claro que com isso não se pode estar de acordo. No entanto, se querem usá-lo voluntariamente, não vejo porque teria de se impedir.
Cristianismo e modernidade
Ser cristão é em si mesmo algo vivo, moderno, que atravessa toda a modernidade, formando-a e moldando-a, e, portanto, em certo sentido realmente a abraça. Aqui se necessita de uma grande luta espiritual, como quis mostrar com a recente instituição de um Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização. É importante que tentemos viver e conceber o cristianismo de tal modo que assuma a modernidade boa e correta e, ao mesmo tempo, afaste-se e distinga-se daquela que está-se convertendo em uma contra-religião.
Otimismo
Poder-se-ia contemplar com superficialidade e restringir o horizonte só ao mundo ocidental. Mas se se observa com mais atenção, e é isso o que posso fazer graças às visitas dos bispos de todo o mundo e também a tantos encontros, vê-se que o cristianismo neste momento está desenvolvendo também uma criatividade de todo nova [...]. A burocracia está desgastada e cansada. São iniciativas que nascem desde dentro, a partir da alegria dos jovens. O cristianismo talvez assumirá um novo rosto, um aspecto cultural diverso. O cristianismo não determina a opinião pública mundial, outros está à guia. E, no entanto, o cristianismo é a força vital sem a qual as outras coisas tampouco poderiam continuar existindo. Por isso, em virtude do que vejo e do que consigo tornar experiência pessoal, sou muito otimista a respeito do fato de que o cristianismo encontre-se frente a uma dinâmica nova.
A droga
Muitos bispos, sobretudo da América Latina, dizem-me que ali onde passa o caminho do cultivo e do comércio da droga, e isso ocorre em grande parte desses países, é como se um animal monstruoso e malvado estendesse sua mão sobre o país para arruinar as pessoas. Creio que esta serpente do comércio e do consumo de droga, que envolve o mundo, é um poder do qual nem sempre conseguimos ter uma ideia adequada. Destrói os jovens, destrói as famílias, leva à violência e ameaça o futuro de nações inteiras. Também esta é uma terrível responsabilidade do Ocidente: tem necessidade de drogas e assim cria países que lhe oferecem aquilo que logo terminará por consumi-los e destruí-los. Surgiu uma fome de felicidade que não consegue se saciar com aquilo que há, e que logo se refugia, por assim dizer, no paraíso do diabo, e destrói completamente o homem. Na
Sexualidade
Concentrar-se só no preservativo quer dizer banalizar a sexualidade e esta banalização representa precisamente o motivo pelo qual muitas pessoas já não veem na sexualidade a expressão de seu amor, mas só uma espécie de droga, que se fornecem por sua conta. Por este motivo, também a luta contra a banalização da sexualidade forma parte do grande esforço para que a sexualidade seja valorizada positivamente e possa exercer seu efeito positivo no ser humano em sua totalidade. Pode haver casos justificados singulares, por exemplo, quando um prostituto utiliza um preservativo, e este pode ser o primeiro passo para uma moralização, um primeiro ato de responsabilidade para desenvolver de novo a consciência sobre o fato de que nem tudo está permitido e de que não se pode fazer tudo o que se quer. No entanto, este não é o verdadeiro modo para vencer a infecção do HIV. É verdadeiramente necessária uma humanização da sexualidade.
Igreja
Paulo não entendia a Igreja como instituição, com organização, mas como organismo vivente, no qual todos trabalham um pelo outro e um com o outro, unidos a partir de Cristo. É uma imagem, mas uma imagem que permite aprofundar e que é muito realista, ainda que só seja pelo fato de que nós cremos que, na Eucaristia, realmente recebemos Cristo, o Ressuscitado. E se cada um recebe o próprio Cristo, então realmente todos nós estamos reunidos neste novo corpo ressuscitado como o grande espaço de uma nova humanidade. É importante entender isso e, portanto, conceber a Igreja não como um aparato que deve fazer de tudo, também o aparato lhe pertence, mas dentro dos limites – mas ainda mais como organismo vivente que provém do próprio Cristo.
Humanae Vitae
As perspectivas da Humanae Vitae continuam sendo válidas, mas outra coisa é encontrar caminhos humanamente praticáveis. Creio que haverá sempre minorias intimamente convencidas da exatidão dessas perspectivas e que, vivendo-as, ficarão plenamente satisfeitas do modo que poderão ser para outros um fascinante modelo a seguir. Somos pecadores. Mas não deveríamos assumir este fato como uma instância contra a verdade, quando essa alta moral não é vivida. Deveríamos buscar fazer todo o possível, e apoiar-nos e suportar-nos mutuamente. Expressar tudo isso também desde o ponto de vista pastoral, teológico e conceitual, no contexto da atual sexologia e pesquisa antropológica, é uma grande tarefa à qual é necessário se dedicar mais e melhor.
Mulheres
A formulação de João Paulo II é muito importante: “A Igreja não tem, de nenhum modo, a faculdade de conferir às mulheres a ordenação sacerdotal”. Não se trata de não querer, mas de não poder. O Senhor deu uma forma à Igreja com os Doze e depois com sua sucessão, com os bispos e os presbíteros (os sacerdotes). Não fomos nós que criamos esta forma de Igreja, mas se constitui a partir d’Ele. Segui-la é um ato de obediência, na situação atual, talvez um dos atos de obediência mais graves. Mas isso é importante: a Igreja não mostra ser um regime do arbítrio. Não podemos fazer o que queremos. Há, em contrapartida, uma vontade do Senhor para nós, à qual nos atemos, ainda que seja fadigoso e difícil na cultura e na civilização de hoje. Por outro lado, as funções confiadas às mulheres na Igreja são tão grandes e significativas que não se pode falar de discriminação. Seria assim se o sacerdócio fosse uma espécie de domínio, enquanto que, pelo contrário, deve ser completamente serviço. Se se lança o olhar na história da Igreja, damo-nos conta de que o significado das mulheres – desde Maria a Mônica, até a Madre Teresa – é tão eminente que as mulheres definem de muitas maneiras o rosto da Igreja mais que os homens.
Vinda de Cristo
É importante que cada época esteja próxima do Senhor. Que também nós mesmos, aqui e agora, estejamos sob o juízo do Senhor e nos deixemos julgar por seu tribunal. Discutia-se sobre uma dupla vinda de Cristo, uma em Belém e uma ao final dos tempos, até que Bernardo de Claraval falou de um Adventus medius, de uma vinda intermédia, através da qual Ele sempre entre periodicamente na história. Creio que encontrou o tom adequado. Nós não podemos estabelecer quando terminará o mundo. Cristo mesmo disse que ninguém o sabe, nem sequer o Filho. Devemos, no entanto, permanecer, por assim dizer, sempre diante de sua vinda, e sobretudo estar seguros de que, no sofrimento, Ele está próximo. Ao mesmo tempo, deveríamos saber que em nossas ações estamos sob seu juízo.
[Traduzido por ZENIT]
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